A conversar...
No dia 17, dirigi-me à Guliver, que se localiza na zona industrial das Palhagueiras, para fazer uma entrevista a um dos criadores do famoso evento “Ocean Spirit”, Bruno Melo. Após a cordial apresentação iniciámos a entrevista.
Raquel - De onde surgiu a ideia da criação deste evento, o “Ocean Spirit”?
Bruno Melo - Começa com uma travessia em Kitesurf de Peniche – Santa Cruz, feito por mim e por um amigo meu que é o Pedro Rosado, há quatro anos atrás, portanto nós como praticantes de Kite achámos piada fazer uma travessia de Peniche para cá. Éramos só os dois. No segundo ano organizámos e já conseguimos por 60 pessoas na água. O que é que acontece... sessenta Kites na água tem bastante visibilidade, faz um colorido muito grande. E o nosso Presidente da Câmara de Torres achou piada àquela nossa iniciativa e desafiou-nos para fazermos um evento de Kitesurf de maneira a pormos a zona Oeste no mapa dos desportos de ondas. Nós achamos que só o Kitesurf era muito arriscado, porque se não houvesse vento tínhamos um evento na praia sem acontecer nada... E foi daí que veio a ideia das cinco modalidades. Portanto o “Ocean Spirit” nasce com as cinco modalidades: o Kitesurf, o Surf, o Bodyboard, o Skimming e com o Kayaksurf. Porque com esta fórmula já não há esse risco de não haver vento e a coisa ficar parada, e assim tempos sempre duas modalidades possíveis de se fazer... Mesmo que não haja muitas ondas pode-se fazer o Skimming e o Kaiak, se houver vento faz-se o Kit se houver ondas boas faz-se o surf e assim temos a fórmula ideal.
R - Porquê o nome Ocean Sprit?
BM - O “Ocean Sprit” não é só a parte competitiva tem também a parte de sensibilização às pessoas que são amantes das ondas e, ao fim de contas, o “Ocean Spirit” é um evento que homenageia as ondas, tanto que o nosso símbolo é o Neptuno, o Deus dos mares, um bocado por isso, ou seja, aquilo que há em comum nestes desportos são as ondas, de preferência. E é dai que vê o “Ocean”. O “Spirit” porquê? Porque temos aqui uma parte de projecto pedagógico que sensibiliza as pessoas para cuidarem das praias, para a reciclagem, e com tudo isto nós tentamos induzir um espírito... Quem frequenta as praias, e nós como praticantes de desportos usamos a praia durante o inverno também e o que acontece muitas vezes é que chegamos ao verão e as pessoas realmente não têm respeito pela praia. Embora haja surfistas que também não têm respeito, não vamos dizer que os surfistas são todos muito limpinhos. E é esse o trabalho que nós tentamos fazer, é sensibilizar as pessoas para que tratem das praias de uma maneira diferente porque qualquer dia não temos praias, temos é um monte de lixo e o “Spirit” vem daí. Portanto o “Ocean” de oceano e o “Spirit” envolvente do oceano.
R - Qual o principal objectivo do festival?
BM - Como já quase respondi na primeira pergunta, é por Santa Cruz no mapa porque nós temos que um problema. Que é a Ericeira, muito conhecida pelas óptimas ondas que tem e os campeonatos de Surf na Ericeira; temos Peniche também com muito boas condições para surf e depois temos Santa Cruz que fica sempre aquela terra entre Peniche e Ericeira. E neste momento o que nós queremos fazer com Santa Cruz é fazê-la afirmar-se como ela própria e não estar aqui entalada entre Ericeira e Peniche. É esse o desfio e é esse o objectivo. Que foi conseguido com os cinco desportos porque só um era complicado porque nós sabemos que a Ericeira tem melhores ondas que Santa Cruz, Peniche é quase uma ilha e tem sempre as condições ideais para a prática mas para os cinco desportos a Ericeira tem muita rocha e não dá para fazer Kite e
R - E agora passando mais à parte dos problemas da organização, quais os principais problemas na organização deste evento?
BM - O primeiro ano foi um sucesso em todas as áreas que nós temos definidas como “Ocean Spirit - Santa Cruz” diurno e nocturno. O primeiro ano foi um festival diurno, tendo provas a acontecer e com uma componente nocturna. O segundo ano mantivemos a mesma fórmula e percebemos que a noite caiu, portanto, caiu porque no primeiro ano era novidade e nós no segundo ano não apostamos em bandas, porque sempre quisemos que o “Ocean Spirit” fosse realmente explosivo em termos de dia e a noite era mais um complemento. Mas percebemos realmente que o ano passado não correu muito bem, porque também tínhamos de arranjar receitas e cobrámos durante a semana 2€ e ao fim-de-semana 5€ e como as bandas não eram bandas conhecidas, o que acontece é que as pessoas, e devido à conjuntura que estamos a atravessar, as pessoas não queriam disponibilizar 2€ ou 5€ para ir ver as bandas que não eram conhecidas. Este ano vai ser radicalmente mudada a noite. Portanto a noite vai ter bandas fortes, vamos entregar a uma empresa que tem a especialidade, porque é assim, nós só para organizar o “Ocean Spirit” diurno dá-nos muita dor de cabeça. Em alguns dias o evento é complicado porque temos às vezes 4 provas a decorrer a mesmo tempo, e achámos por melhor a parte da noite dar a uma empresa que realmente já deu frutos por este país fora. E que vai realmente conseguir fazer uma noite mais poderosa, com bandas que trazem pessoas para o evento que é para não termos um dia muito bom e depois uma noite fraquinha, como aconteceu o ano passado. Este ano, vamos tentar corrigir essa parte. Os eventos quando começam os primeiros anos são para ir afinando, o primeiro ano é sempre inevitavelmente bom porque é uma coisa que não existe e não há comparação, a partir do momento em que existe já é bom; o segundo ano já se começa a fazer comparações, que foi o que aconteceu este ano. O segundo ano foi melhor durante o dia do que o primeiro ano mas já foi mais fraco durante a noite, por isso a pessoa já pode comparar: “ Eh mas aquilo não foi tão bom com o ano passado!”. Este ano já temos a responsabilidade acrescida de ter de fazer melhor que o primeiro e que o segundo ano. É esse o objectivo, já estamos em reuniões, já está a andar.
R - Queria perguntar também quantas pessoas é que estão envolvidas para distribuir essa dor de cabeça...
BM - Nós na organização continuamos a ser oito pessoas, porque eu acho que nestas coisas mais vale poucos e bons do que muita gente que depois ninguém se entende. Claro que durante o evento temos de recrutar muitas mais pessoas. O núcleo duro é de 8 pessoas de norte a sul do país, não são só pessoas da zona oeste, temos também dois elementos da zona do Porto, porque têm de ser pessoas que já tenham tido alguma experiência de organização e sensíveis ao tema, todos os elementos da organização tem a ver com o mar, uns pelo mergulho, outros pelo surf, outros pelo Kitesurf, outros pelo Kayak mas todos têm essa experiência de desporto. Porque eu penso que num evento destes, qualquer elemento que passe para pessoas que não sejam amantes do surf e das ondas perde a sensibilidade total no projecto cujo objectivo é construir aquilo que nós quando íamos a outras provas sentíamos carência. Nas provas de Bodyboard ou de surf ou seja o que for é a prova e quando acabou, cada um vai para seu canto. E aqui queremos receber as pessoas, que se sintam bem além da competição. Portanto, a competição acabou mas depois o pessoal é recebido e podem permanecer na praia com os restaurantes, com os bares, com o entretenimento. É isso que nós queremos. Para construirmos esse projecto é muito mais fácil com pessoas que já tenham competido ou que ainda compitam e que sintam realmente o que gostavam de ter tido e que nunca lhes foi oferecido é que nós tentamos apelar.
R - Para algumas organizações na realização de outros eventos o grande problema é arranjar patrocínios, por isso pergunto onde e como arranjam os patrocínios?
BM - É muito complicado e continua a ser o grande problema. Para já porque é um evento recente com um perfil próprio que não tem comparação. Só se disséssemos: “Vamos fazer um festival como o Sudoeste!” o patrocinador já sabe o potencial que o festival “Sudoeste” tem, e já aposta com facilidade. Mas o “Ocean Spirit” é um festival diferente, por isso o patrocinador tem um pouco de receio porque como é uma coisa que nunca viu, não sabe o que é que vai sair dali. O nosso sentido de dificuldade nestes primeiros anos é transmitir que o festival tem um potencial grande para poder ser investido. E reunião após reunião, nós temos o nosso Big Sponsor da Câmara de Torres, o Santander, a TMN e etc., mas nunca houve uma aposta forte. Este ano, estamos a pensar aproximar mais a noite de um “Sudoeste” para, talvez, ser mais fácil arranjar um patrocinador. Porque infelizmente através do desporto, neste país, se não for o futebol, nada mexe dinheiro e é porque é Kite e o Bodyboard, porque se fosse um futebol - praia arranjava-se certamente mais patrocínios. Há uma dificuldade muito grande e para quem não trabalha realmente em futebol é muito complicado. Nós percebemos porque... Eu nunca fiz eventos, fiz campeonatos de Santa Cruz, mas de carácter local e dá para perceber a dificuldade que é para arranjar patrocínios para alguma coisa diferente.
R - Uma das provas teve de ser adiada devido às condições climatéricas...
BM - Foi o Kitesurf.
R - Sim, e esse adiantamento teve custos adicionais?
BM - Já é o segundo ano que acontece isso, e mais uma vez vem aquele inicio da entrevista, que se fosse só o Kitesurf já tinha pura e simplesmente acabado. No primeiro ano não houve vento, no segundo ano também não houve vento. Por incrível que pareça porque Santa Cruz é uma terra de muito vento e cada vez que há o “Ocean Spirit”... Nós até já achamos que é o Neptuno, cada vez que levantamos o Neptuno, o vento acaba, o que é bom para quem faz praia mas para nós não. Não teve custos adicionais porque, está previsto no regulamento que pode haver uma extensão. Estavam previstos 8 dias e passaram a 10. Claro que há sempre custos porque a hotelaria do júri tem de ser assegurada, os atletas estão por conta própria, têm de permanecer
R - Regressando um pouco mais atrás em relação às bandas e à animação nocturna, qual é o critério de escolha?
BM - Como eu estava a dizer, o ano passado foi o fazer um apontamento nocturno, não foi criarmos uma noite forte. Como eu já disse nós levámos sempre o “Ocean Spirit” como um evento diurno com uma componente nocturna. Este ano, pela primeira vez vamos fazer meio – meio: vamos ter um evento diurno forte, que já é e vamos fazer um evento nocturno forte. Vamos ter dois projectos, portanto a partir deste ano assume-se talvez um festival de música e um festival diurno. Vai ser completamente diferente destes anos anteriores, vai trazer multidões e já estamos a programar onde é que vamos fazer campismo, porque as pessoas vão vir aos milhares e onde é que vamos acolher essas pessoas todas, é uma estrutura completamente diferente. Estamos já a dividir a estrutura da organização em dois, quatro para uns ficarem como dia e outros ficarem com a noite. Mas, em relação ao ano passado é como eu digo, fomos buscar bandas aqui da zona, o objectivo foi dar relevo às bandas da zona Oeste, porque eles podiam ali ter a oportunidade de tocar para mais pessoas do que normalmente tocam, porque costumam tocar dentro de bares que tem pouco público e aqui podiam tocar para mais pessoas, e este ano não, este ano, como disse temos uma empresa que vai trazer bandas internacionais, aquelas bandas que arrastam multidões. Não há-de vir a Madonna, mas há-de vir outras bandas a nível do “Sudoeste”, a nível do “Paredes de Coura”.
R - Após pesquisas feitas encontrei uma citação que achei particularmente interessante, que foi a seguinte: “Aquele que foi considerado por alguns dos atletas internacionais presentes como “um dos maiores festivais mundiais de desportos de ondas”, foi visitado por 120 mil pessoas durante 14 dias” sabendo que em 2007 foi por 80 mil. Como e que se sente ao ouvir tantos complementos e ver os resultados produzidos pelo festival?
BM - No primeiro ano veio quase a lagrimazinha ao canto do olho, porque tu tens os teus ídolos... a primeira pessoa a dizer isso foi Hervé Bouré, campeão do mundo de Kite durante 4 anos e conhecia das revistas, é quase como um ídolo. E quando o teu ídolo chega ao evento que tu fazes e diz-te que é o melhor evento em que já teve desde sempre, sentes que fizeste um trabalho no mínimo bom não é? O ano passado não foi só ele mas também o Costa Luengo, que é o campeão do mundo na actualidade , o vice - campeão no mundo também teve cá e todos eles
R - Mesmo com a opinião dos jovens e dos desportistas?
BM - Se fosse o Ronaldo a dizer isso ou o Figo era logo outra coisa. Repara, os jornais desportivos que há, A Bola, o Record pode haver um português que pode ser o maior judoca e pode ter ganho o campeonato mundial de judo e aparece num rodapé pequenino enquanto se houver uma contratação nova no Benfica aparece logo em primeira página. Estes desportos são sempre tratados como de segunda. Nós tivemos o Tiago Pires da Ericeira, que foi campeão do mundo numa prova na Indonésia e não se ouve em lado nenhum, o problema é só esse. Os desportos de ondas não são muito mediáticos, e aí está o grande problema.
R - O que condiciona também é, um pouco, a falta de publicação por parte da imprensa...
BM - Em termos de comunicação, é um erro também nosso. Temos uma empresa que trabalha muito bem durante o evento e que depois do evento o Clipping que nos dão é bastante bom, mas como promoção não está a ser muito divulgado e nós este ano, uma das diferenças, é que temos de apostar em marketing do próprio evento. Porque também os patrocinadores querem que os nomes deles apareçam. Também temos de dar o braço à palmatória porque foi também um erro nosso. Mas este é um projecto que estamos a apurá-lo a apurá-lo a ver se vai ficando mais perfeito.
R - Também não está muito longe... Da primeira vez vieram 80 mil, da segunda já foram 120 mil...
BM - E temos provas, se fores reparar no calendário do primeiro ano de provas, eram provas quase experimentais, nem contavam para ranking: havia um campeonato nacional que não contava para ranking, o campeonato de Skimming e este ano que passou já havia um campeonato nacional, o campeonato do mundo de Kite era uma prova internacional, o de Kayak era uma das provas mundiais da taça do mundo e este ano é mesmo tudo, já não são experimentais o que é logo um passo muito grande. E quando entra u campeonato do mundo, cancelam numa praia e vem para outra quer dizer alguma coisa, não é? O pessoal de Peniche está pior que estragado. Só que o problema é este, a última prova do campeonato nacional de Kayak foi lá, e chegamos à praia metemos um chapéu-de-sol no meio da praia e pões uma aparelhagem que mal funciona e já está, nem há lanche de praia para os atletas nem nada. E não é isso que se pretende se se quer cativar as pessoas para fazer desporto e faz-se uma porcaria qualquer, que é mesmo assim. E este ano já se aprumou um bocadinho porque andava com medo que o campeonato do mundo de Surf que se passa ali fugisse para nós, e também não é nosso interesse prejudicar, mas é bom que o pessoal estime mais os atletas.
R - E anotações negativas ou menos positivas?
BM - Há sempre aquela coisa, o problema do ruído, do estacionamento, temos o senhor do mirante que é uma peste, que se pudesse matava os surfistas todos à face da terra, mas isso são mentalidades que se vão mudando com os anos. De resto não, toda a gente acha muita piada àquilo, porque vêm desportos que não estão habituados a ver. O Kayaksurf, penso que aqui
R - E no futuro, pretende incluir outros desportos?
BM - Para já não, isto já dá muitas dores de cabeça. E estes são os cinco mais visíveis, fazer Windsurf poderia ser mas aqui nunca ou raros são os dias suficientes para fazer Windsurf. Vocês raramente vêem algum fazer Windsurf, eu lembro-me de uma vez ou duas...
Terminada a entrevista fizeram-se os procedimentos habituais de despedida.
Por vezes, quando vamos a um evento limitamo-nos apenas a criticar ou a aproveitar ao máximo a festa, nunca pensando nos problemas e nas dificuldades que a organização teve de passar para que aquela festa fosse quase perfeita e para que as pessoas como nós pudessem usufruir de um bom serviço.
O principal objectivo da entrevista era descobrir quais os principais problemas da organização de um evento como este. Podemos concluir que, neste caso, um dos factores incontroláveis que dão mais problemas são os climatéricos, nomeadamente o vento. Outro dos grandes problemas é arranjar patrocínios para algo que é relativamente recente. Os patrocinadores não têm confiança suficiente para investir em algo que à partida não sabem se irá ter sucesso ou não.
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